Rafael Tavares Juliani cc32d32bb4 INÍCIO
2025-09-04 16:42:09 -03:00

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# Marias Marias
Conheci um rapaz em um ambiente tranquilo na escola. Ele era tímido, de
poucas palavras, ficava quieto só me observava. Se aproximou de mim como
um amigo, no primeiro momento se mostrou atencioso, amoroso e carinhoso.
Sempre me perguntava como eu estava e como me sentia em algumas
situações.
De amigo, passou a ser o meu amor. Me pediu um beijo e, claro, que eu
aceitei. Foi mágico, eu fiquei encantada. Logo me pediu em namoro e, em
seguida, foi conhecer os meus pais. Gaguejando, se mostrava muito
nervoso, pediu a minha mãe para namorarmos em casa. Minha mãe permitiu,
mas deixou bem claro que ele era esquisito. Eu pensei: "Poxa, todo mundo
acha um defeito e ele é perfeito!".
Ao passar o tempo, ele me dizia que eu era única. Ligava todos os dias e
perguntava o que eu estava fazendo, me dizia que estava com saudades e
que eu era linda. Eu me sentia especial e, por isso, fui ficando cada
dia mais envolvida e apaixonada.
Até que um dia, ele me questionou sobre a cor do meu esmalte. Dizia que
era escuro demais e parecia de puta. Eu olhei sem entender! Não estava
acreditando que era da boca dele que eu estava ouvindo isso. Eu fiquei
chateada e falei para darmos um tempo. Ele entrou em desespero e, aos
prantos, pediu para eu não terminar porque ele me amava. Era só porque
ele estava com medo de me perder que ele agiu assim; segundo ele, era só
isso! Achei que ele realmente gostava de mim e acabei aceitando. Me
senti muito estranha.
Depois daquele episódio, as coisas foram acontecendo e eu acabei me
casando, usando um belo vestido e com um marido lindo!
No primeiro dia depois da cerimônia do casamento, as coisas foram
ficando estranhas. Ele começou a me tratar diferente, passou a chegar
tarde em casa para tomar cerveja com os amigos e não me procurava para
conversar. Eram brigas e mais brigas.
Eu me sentia em uma gaiola, com as pontas das asas cortadas, com a
comida controlada. O canto já não era mais o mesmo e nem força mais eu
tinha para cantar.
Ao chegar em casa já tarde, eu perguntei o que estava acontecendo. Foi o
fim! Ele colocou o dedo na minha cara e aos berros me encurralou na
parede. Os seus gritos ecoavam como uma faca nos meus ouvidos, dizendo:
--- Me deixa! Você não manda na minha vida! eu sou o homem e faço o que
eu quero!
Eu só sabia chorar.
O tempo foi passando e o meu mundo mágico desabou. Fui ouvindo várias
outras coisas como:
--- Você me faz gritar.
--- Eu não aguento mais esse casamento.
--- Você está gorda vai para academia.
--- Você é burra, não entende por quê?
--- Você é maluca!
--- A culpa é sua por eu gritar! Você pede.
Fui me isolando até não ter mais amigas, pois ele dizia que eram
piranhas e, por isso, não eram amizades de uma mulher casada.
Ele também dizia que nem a minha família gostava de mim porque eu era
desprezível. Eu fui me afastando, não tendo mais força para estar por
perto.
Eu me olhava no espelho e via que os meus lábios estavam roxos. Não
conseguia respirar e os meus olhos estavam inchados de tanto chorar.
Olhando para o espelho, eu me perguntava: o que eu fiz para ele me
tratar assim?
Senti uma culpa terrível por não estar dando suporte nesse
relacionamento. Eu estava emocionalmente instável e não conseguia
acreditar em mim mesma.
Sentia-me gorda e feia, pensando que ninguém mais iria se interessar por
mim. Minha autoestima estava detonada. Não me vestia da forma que eu
queria, apenas para agradá-lo, e ele sempre fazia questão de me
inferiorizar.
Ouvia constantemente de sua boca que a culpa era minha e que eu o fiz
perder o controle. Isso já não mais escondido, acontecia na frente dos
familiares, dos amigos e dos estranhos.
Ele já sabia o quanto eu ganhava e a data do meu salário e, em um dia de
pagamento, depois que eu voltei do trabalho, ele veio perguntando o que
eu iria fazer com o dinheiro, pois estava com o pagamento dele
comprometido por colocar tudo na casa e acrescentava dizendo que ele não
tinha vida.
Eu pensei\... eu já pago a luz, o plano de saúde dele, as parcelas dos
eletrodomésticos também eram comigo e, ainda, a metade da comida era por
minha conta. Mais ainda, quando faltava alguma coisa eu comprava sem
pedir a ele. O que ele está dizendo? Mesmo assim, ele dizia todos os
dias, brigando, para eu colocar dinheiro, alegando que estava gastando
tudo em casa.
No final, ele estava tomando conta até do que eu recebia.
Em uma das brigas por ele sair e voltar no outro dia, eu fui
questioná-lo e, simplesmente, gritou que eu não tinha nada a ver com
isso.
Eu falei: "Como assim? Somos casados e você sempre diz que não tem
dinheiro para passear comigo, mas tem dinheiro para passear com os
amigos?" E foi um grande motivo para ele pegar o meu celular e jogar na
parede. Não satisfeito, ainda pisou nele. Eu gritei, chorei e implorei,
mas foi em vão\... Ele me deu um empurrão, um soco no meu braço e disse:
--- Isso é para você não conversar com ninguém, ficou satisfeita? Estou
fazendo isso porque você me obrigou.
Eu fui me deitar chorando e muito chateada.
No outro dia, eu me levantei e ele veio falar comigo, pedindo perdão,
chorando horrores, dizendo que nunca mais iria fazer isso, pois eu era a
mulher da vida dele. Só chorava e me abraçava dizendo que estava muito
arrependido e que só queria uma chance de um perdão, pois tudo seria
diferente. Então resolvi dar uma chance.
A semana seguinte ao ocorrido foi maravilhosa, sem brigas e contendas e
ele me tratava como uma rainha.
Ao chegar do trabalho, ele falou que iria no tio entregar um dinheiro e,
depois, iríamos sair para um restaurante e, também, comprar um telefone.
Eu fui me arrumar e como ainda não estava me comunicando com os meus
familiares, eu me lembrei que havia trocado o telefone antigo --- o
mesmo que esse indivíduo quebrou --- por um novo com ele.
Fui ao armário dele, peguei o meu antigo, fui colocar o *chip* e resolvi
dar uma olhada no *zap*. Eu percebi que havia mensagens que não eram
minhas. Eu comecei a congelar e a tremer! Eu não acreditava! As
mensagens eram de mulheres falando de saídas, dele falando de beijos e
até marcando para se encontrarem em um motel.
Olha, fiquei estática e sem chão e até pensei que não era dele. Talvez
tivesse emprestado o celular, mas não! Realmente estava o nome dele e
até foto dele enviada para as mulheres, dizendo todas as informações
dele e onde morava. Quando perguntavam se era casado, ele não respondia
e quando a mulher insistia, ele bloqueava.
A princípio, fiquei em choque com aquele celular nas mãos sem saber o
que fazer. Não sabia se quebrava na cara dele ou se ficava quieta. Mas
quando eu escutei a porta se abrindo e ele perguntando se eu estava
arrumada, eu simplesmente olhei para ele e respirei fundo. Foi quando
ele olhou para o celular na minha mão e ficou parado. Em seguida,
perguntou:
--- O que foi?
Joguei o celular nele com muito ódio e então comecei a chorar, a xingar
e socá-lo, mas eu não tinha força\... Por dentro estava despedaçada.
Quando ele se deu conta, disse na cara mais sínica que as mensagens não
eram dele e que eu estava doida. Ah! Aí eu não aguentei e disse:
--- O que você está dizendo? Que eu sou doida? Você, além de mau
caráter, é burro? Tem foto sua, o seu nome e, detalhe, todas as
informações. Tomara que tenha sido ótimo porque eu quero que você vá
embora, eu não aguento mais!
Ele --- mesmo com todas as evidências, todas as provas --- quebrou o
celular, disse que eu estava caçando coisas para terminar começou a
chorar, claro.
Mas eu fui forte. Perguntei: \"Você não vai embora?". Ele, com lágrimas
no rosto, soluçando, pedindo perdão, me abraçando, diz:
--- Não!
Então, no outro dia, assim que saiu um raio de sol, peguei a minha mala
com as minhas coisas, olhei no espelho, vi o meu braço com a marca roxa
e me deu um ódio\... Mas, naquele momento e lugar, eu percebi que as
marcas piores estavam dentro de mim: as agressões verbais, a indiferença
e os traumas.
Fui embora sem que ele percebesse, mesmo sendo a minha casa, a que eu
paguei com tanto sacrifício. Mas pensei: "Isso eu recupero, a vida não".
Fui à delegacia dar parte do agressor e o inspetor perguntou:
--- Como você se chama?
--- Eu sou Maria Maria e todas que viveram um relacionamento abusivo. As
que sobreviveram. As que venceram.
Talvez, se você der uma chance para ele, não sobreviverá e acabará
virando estatística de feminicídio. Na primeira oportunidade, fuja e
peça ajuda! A sua vida é muito importante!
:::{.centralizado}
**Mulher, a culpa não é sua!**
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