Considerações finais e conclusões acerca da análise das duas fábulas: “O lobo e o cordeiro” e “ A raposa e as uvas”.
\n\n\n\n```\n\n## Aspectos Moralizantes das Fábulas “O Lobo e o Cordeiro”\n\n```{=html} \n\n
De uma forma geral, as fábulas procuraram mostrar, sobretudo, como os mais fortes e os que estão em uma condição de superioridade impõem a sua força sobre os mais fracos e inclusive, eles são até capazes de inventar motivos para oprimir esses inocentes (cf. as fábulas de Fedro e de La Fontaine) de tal forma que quando se decidem a praticar o seu objetivo, não há argumentos que os façam mudar de ideia (cf. Esopo e Lobato).
Com efeito, as fábulas analisadas nos mostram que o uso da força se dá inicialmente com o uso das palavras, por meio dos ardis, que inventam, persuadem, enganam, como se configura, na fábula do cordeiro, de Millôr Fernandes: o lanígero procurou ganhar tempo (quando percebeu que não adiantaria argumentar com o lobo) e conseguiu tal escopo por meio da esperteza. Diante da refutação que enfraquece o uso das palavras e para que a sua vontade seja imposta, mesmo que o outro consiga defender-se, então se vale do uso da força física, que não é democrática, mas tirânica.
Assim, esse tema do forte que oprime o fraco, foi uma das críticas que sempre se fez presente, sobretudo, em Fedro. Ele passou por essa experiência de ter sido um escravo e, por isso, ficou com o espírito aguçado para criticar os ricos e os poderosos. E, às vezes, era-lhes alvo de certo preconceito. Ele sempre “os via com desconfiança, com antipatia ou com desprezo”[32].
\n\n```\n\n## Aspectos Moralizantes das Fábulas “A Raposa e as Uvas”\n\n```{=html} \n \n
Na moral de cada autor está presente, sobretudo, a explicação de certos comportamentos humanos. Assim, Esopo, por exemplo, explica que os que acusam as circunstâncias o fazem porque não são capazes de fazer suas atividades; Fedro, por sua vez, é mais satírico, dizendo que os que elevam pelas palavras as coisas que não podem fazer, deverão acrescentar este exemplo para si. Satíricos também são os outros autores La Fontaine, Monteiro Lobato, e Millôr Fernandes, que se vale da ironia, em suas fábulas, e de mais originalidade do que os demais.
\n\n```\n\n## Notas de rodapé\n\n```{=html} \n\n \n
FARIA, Ernesto, Introdução à Didática do Latim, p. 267. ↑
Considerações finais e conclusões acerca da análise das duas fábulas: “O lobo e o cordeiro” e “ A raposa e as uvas”.
\n\n\n\n```\n\n## Aspectos Moralizantes das Fábulas “O Lobo e o Cordeiro”\n\n```{=html} \n\n
De uma forma geral, as fábulas procuraram mostrar, sobretudo, como os mais fortes e os que estão em uma condição de superioridade impõem a sua força sobre os mais fracos e inclusive, eles são até capazes de inventar motivos para oprimir esses inocentes (cf. as fábulas de Fedro e de La Fontaine) de tal forma que quando se decidem a praticar o seu objetivo, não há argumentos que os façam mudar de ideia (cf. Esopo e Lobato).
Com efeito, as fábulas analisadas nos mostram que o uso da força se dá inicialmente com o uso das palavras, por meio dos ardis, que inventam, persuadem, enganam, como se configura, na fábula do cordeiro, de Millôr Fernandes: o lanígero procurou ganhar tempo (quando percebeu que não adiantaria argumentar com o lobo) e conseguiu tal escopo por meio da esperteza. Diante da refutação que enfraquece o uso das palavras e para que a sua vontade seja imposta, mesmo que o outro consiga defender-se, então se vale do uso da força física, que não é democrática, mas tirânica.
Assim, esse tema do forte que oprime o fraco, foi uma das críticas que sempre se fez presente, sobretudo, em Fedro. Ele passou por essa experiência de ter sido um escravo e, por isso, ficou com o espírito aguçado para criticar os ricos e os poderosos. E, às vezes, era-lhes alvo de certo preconceito. Ele sempre “os via com desconfiança, com antipatia ou com desprezo”[32].
\n\n```\n\n## Aspectos Moralizantes das Fábulas “A Raposa e as Uvas”\n\n```{=html} \n \n
Na moral de cada autor está presente, sobretudo, a explicação de certos comportamentos humanos. Assim, Esopo, por exemplo, explica que os que acusam as circunstâncias o fazem porque não são capazes de fazer suas atividades; Fedro, por sua vez, é mais satírico, dizendo que os que elevam pelas palavras as coisas que não podem fazer, deverão acrescentar este exemplo para si. Satíricos também são os outros autores La Fontaine, Monteiro Lobato, e Millôr Fernandes, que se vale da ironia, em suas fábulas, e de mais originalidade do que os demais.
\n\n```\n\n## Notas de rodapé\n\n```{=html} \n\n \n
FARIA, Ernesto, Introdução à Didática do Latim, p. 267. ↑
Acesse o site de divulgação das obras e das publicações dos Autores da Coleção: Clássicos Romanos/ Série: Bucólicas de Virgílio: https://marciomoitinha.wixsite.com/website
Acesse o site de divulgação das obras e das publicações dos Autores da Coleção: Clássicos Romanos/ Série: Bucólicas de Virgílio: https://marciomoitinha.wixsite.com/website
Nesta pequena obra, propomos traduzir do latim para o vernáculo os textos latinos originais: Lupus et Agnus e De Vulpe et Vua do fabulista latino Fedro, da Roma antiga, do I século d.C. Também traduzimos do grego para o português as fábulas homônimas Λύκος καὶ Ἀρήν e Ἀλώπηξ καὶ Βότρυς, do fabulista grego Esopo, do século VI a.C. A partir das fábulas destes dois autores, teremos por intenção compará-los entre si e com outros renomados fabulistas que os sucederam como La Fontaine, fabulista francês, Monteiro Lobato e Millôr Fernandes, estes dois últimos da nossa literatura brasileira.
Dessa maneira, teremos a finalidade de destacar os pontos de contato, bem como as diferenças de estilo existentes entre eles. Uma vez analisados esses aspectos linguísticos, deter-nos-emos, enfim, aos aspectos moralizantes das fábulas, a partir do ponto de vista de cada autor. Antes, porém, de nos debruçarmos sobre as mencionadas fábulas, gostaríamos de fazer um apanhado geral sobre esse gênero, tão controverso, nas literaturas grega e latina.
\n\n```\n## Origem das fábulas\n\n```{=html} \n\n
Manuel Aveleza, no seu livro As fábulas de Esopo[1], escrevendo acerca da origem do gênero fábula, relata-nos que ela se perde na pré-história, podendo ser considerada uma variante do conto popular, que, por sua vez, deve ter nascido quando os homens começaram a se comunicar, verbalmente. Outros autores como Citroni et alii consideraram que o gênero fábula tem origens remotas na Mesopotâmia, testemunhadas por textos sumérios do início do segundo milênio[2]; por sua vez, o autor Samuel Netto já nos informa que parte do material que se encontra nos nossos primeiros fabulistas ocidentais (mais à frente os conheceremos) parecem pertencer ao passado comum de relatos populares tradicionais, que estão nas raízes das fábulas hindus[3]. Já Albin Lesky é da opinião de que “isto nos permite supor precisamente para a época mais antiga, uma poderosa vitalidade de fábulas com animais amplamente difundidas”[4]. Em síntese, pelo que esses autores nos informam, consideramos, com Manuel Aveleza e Albin Lesky, que a origem das fábulas se perde, na pré-história, sem sabermos precisar exatamente quando elas se iniciam.
\n\n```\n\n## As fábulas em ambiente grego\n\n```{=html} \n\n
No Ocidente, a primeira fábula da qual se tem notícia é “O Falcão e o Rouxinol”, de Hesíodo (séc. VIII a.C.), que se encontra em sua obra Os Trabalhos e os Dias. Depois, nos séculos VII e VI a.C., vários autores helênicos compuseram diversas fábulas, das quais apenas poucos fragmentos ou notícias indiretas nos chegaram. Arquíloco, por exemplo, conta-nos uma história acerca da raposa e do macaco (frag. 81) e da vingança da raposa contra a águia perjura (frag. 89). Há também o fragmento de um poema de Semônides (frag. 11) que provém da história do escaravelho que castiga a hybris da águia”[5]. Porém, consoante Aveleza[6], é Esopo que será considerado o pai das fábulas, “pelo fato de ele ter sido o primeiro a utilizá-la metodicamente e com sucesso”.
Como nos é relatado por Citroni, “não foi por acaso que a invenção da fábula foi atribuída a Esopo, um escravo estrangeiro e uma figura semilendária e portador de um tipo de sabedoria elementar dotada de uma eficácia desarmante”[7]. Como ainda é salientado por Citroni, “à volta de Esopo (o qual data do século VI a. C.) formara-se um vasto anedotário romanesco e a ele se acabava por atribuir praticamente todo o patrimônio relacionado a fábulas de animais, veiculadas pela sabedoria popular”. Citroni ainda nos relata que “a primeira coletânea de fábulas esópicas das quais há notícia foi feita por Demétrio de Falero, por volta de 300 a.C. Porém as coletâneas que sobreviveram são muito tardias, situando-se entre os séculos II e V d.C.”[8].
\n \n```\n\n## As fábulas em ambiente latino\n\n```{=html} \n\n\n
Quanto à presença das fábulas, no ambiente latino, Ettore Paratore nos informa que “a fábula mais refinada da poesia latina é o apólogo do rato do campo e do rato da cidade, na sátira II,6 de Horácio; mas testemunhos dão-nos a entender que já na poesia arcaica latina, em Épio e em Lucílio, tinham sido introduzidas fábulas”[9]. Paratore ainda nos fala que “o primeiro século do Império apresenta-nos um autor que foi o primeiro, na literatura latina, a fazer da fábula a sua única forma de arte e talvez tenha sido o primeiro de toda antiguidade clássica.”[10] O autor do qual fala Paratore é o poeta Fedro, que se fez poeta de fábulas não apenas pelo desejo “de reparação moral das injustiças observadas e talvez sofridas, na sua vida, mas também pelo desejo de conquistar fama escolhendo uma via não seguida há muito pelos outros poetas”[11].
\n \n```\n\n## Esopo\n\n```{=html} \n\n\n \n
Como dissemos acima, é uma figura semilendária, Esopo, do qual pouco se sabe, a ponto de Samuel Netto chegar a afirmar que Esopo talvez seja “apenas um nome inventado para fornecer um autor em carne e osso para antigas fábulas gregas”[12]. Por isso, conforme Lesky[13], “o que pode ter sido histórico em Esopo está inteiramente coberto por uma ficção transbordante de fantasia que leva o escravo frígio através dos países e destinos mais variados, para o fazer perecer finalmente em Delfos, vítima da inveja e da astúcia”.
Todos os autores, no entanto, são unânimes em afirmar que Esopo está situado por volta do Século VI a.C. Segundo o historiador Heródoto, foi escravo frígio de certo Jádmon e uma das provas disso “é que, tendo os Délfios mandado perguntar várias vezes por um arauto, de acordo com as ordens de um oráculo, se alguém queria vingar a morte de Esopo, não se apresentou senão um neto de Jádmon, com o mesmo nome do avô. Logo, Esopo foi escravo de Jádmon”[14] e conforme ainda nos informa Samuel Netto “se os elementos concretos sobre a vida de Esopo escasseiam e, mais do que isso, estão envolvidos em nuvens de incerteza, não é menor a nossa ignorância quanto à maneira como se constitui a coletânea das fábulas esópicas”[15]. No entanto, de todo o modo, a Esopo são atribuídas cerca de 200 fábulas.
\n\n```\n\n## Fedro\n\n```{=html} \n\n\n\n
No que se refere à origem de Fedro, tendo-se pouco conhecimento a seu respeito, sabe-se, pelo que se extrai das informações de sua obra, que ele não é latino, porém, como nos diz Marmorale: “absorveu a civilização, o espírito e a moral latinas, até o ponto de se poder considerar um dos expoentes mais típicos de algumas facetas da mentalidade romana”[16]. Assim, Fedro nasceu na Trácia, foi levado a Roma como escravo, pertencente ao imperador Augusto, mas depois foi libertado por ele. Como o próprio Fedro discorre para nós, em seu livro, ele foi um liberto de Augusto, viveu, no início do séc. I d.C.
Fedro escreveu durante os reinados de Tibério e Calígula, entre os anos 14 e 41 d.C. Por ocasião do governo de Tibério, lançou seus dois primeiros livros de fábulas, que continham alusões políticas ao mau governo de Roma e à conduta condenável dos nobres. Talvez por causa dessas alusões políticas que tenha feito, foi perseguido por Serjano, principal auxiliar do imperador Tibério, pois como nos informa Zélia de Almeida Cardoso[17]: “aludiu claramente a fatos e pessoas de sua época, o que lhe valeu o exílio”. Escreveu ao todo 123 fábulas, reunidas em um número de cinco livros, porém, como nos diz Marmorale, “a sorte de Fedro não foi grande na antiguidade”[18], pois, nos dizeres de Paratore, dos autores ilustres posteriores a ele talvez só Marcial o tenha recordado, uma vez que Sêneca não o conheceu ou finge não tê-lo conhecido[19]. Assim, o primeiro que de fato nomeou Fedro foi Aviano, fabulista latino do século V. “Desde então, a fama de Fedro aumentava cada vez mais”[20] e foi bastante difundida, como nos aponta mais uma vez Zélia Cardoso[21]: “suas fábulas serão imitadas por escritores de várias épocas e nacionalidades”.
\n\n```\n\n## Características das fábulas\n\n```{=html} \n\n
Mas afinal de contas, quais são as características do gênero? Quem nos ajuda a apontar as características do gênero fábulas é Manuel Aveleza. Conforme o autor mencionado, as fábulas são uma breve narrativa alegórica, de caráter individual, moralizante e didático[22], ou, como nos diz Jaeger, elas possuem “uma forma de exemplo didático altamente significativo”[23] e nas palavras do próprio Fedro, as fábulas têm um duplo escopo: provocar o riso e admoestar por meio de conselhos[24].
O que acontece nas fábulas é que seres irracionais (animais, coisas ou objetos) contracenam entre si, pensam, sentem, agem e falam como se fossem seres humanos. Nas cenas, simbolizam situações, comportamentos, interesses, paixões e sentimentos que nem sempre podem ser focalizados diretamente, às vezes por satirizar ou criticar pessoas ou grupos políticos. Assim, nos informa Aveleza:
“Por vezes, a fábula propõe imaginosas explicações sobre a origem de certos comportamentos, relacionados com animais ou com coisas e objetos, assumindo, assim, intenções etiológicas”[25]. E, por fim, conforme ainda nos salienta Lesky, o sentido inicial das fábulas, tal qual concebido por Hesíodo e por Arquíloco “é o de crítica social, que, mal dissimulada, é um ataque suficientemente explícito à arbitrariedade dos poderosos em nome dos fracos e sob o signo da justiça. A fábula sofreu, depois, todo o tipo de transformações, convertendo-se em transmissora de moralidade e em exercícios para as escolas retóricas, mas, a princípio, é uma forma de exortação, que mostra o que é verdadeiro e justo, em determinadas circunstâncias, sem ferir com a expressão direta”[26].
\n\n```\n\n## Notas de rodapé\n\n```{=html} \n \n \n
Nesta pequena obra, propomos traduzir do latim para o vernáculo os textos latinos originais: Lupus et Agnus e De Vulpe et Vua do fabulista latino Fedro, da Roma antiga, do I século d.C. Também traduzimos do grego para o português as fábulas homônimas Λύκος καὶ Ἀρήν e Ἀλώπηξ καὶ Βότρυς, do fabulista grego Esopo, do século VI a.C. A partir das fábulas destes dois autores, teremos por intenção compará-los entre si e com outros renomados fabulistas que os sucederam como La Fontaine, fabulista francês, Monteiro Lobato e Millôr Fernandes, estes dois últimos da nossa literatura brasileira.
Dessa maneira, teremos a finalidade de destacar os pontos de contato, bem como as diferenças de estilo existentes entre eles. Uma vez analisados esses aspectos linguísticos, deter-nos-emos, enfim, aos aspectos moralizantes das fábulas, a partir do ponto de vista de cada autor. Antes, porém, de nos debruçarmos sobre as mencionadas fábulas, gostaríamos de fazer um apanhado geral sobre esse gênero, tão controverso, nas literaturas grega e latina.
\n\n```\n## Origem das fábulas\n\n```{=html} \n\n
Manuel Aveleza, no seu livro As fábulas de Esopo[1], escrevendo acerca da origem do gênero fábula, relata-nos que ela se perde na pré-história, podendo ser considerada uma variante do conto popular, que, por sua vez, deve ter nascido quando os homens começaram a se comunicar, verbalmente. Outros autores como Citroni et alii consideraram que o gênero fábula tem origens remotas na Mesopotâmia, testemunhadas por textos sumérios do início do segundo milênio[2]; por sua vez, o autor Samuel Netto já nos informa que parte do material que se encontra nos nossos primeiros fabulistas ocidentais (mais à frente os conheceremos) parecem pertencer ao passado comum de relatos populares tradicionais, que estão nas raízes das fábulas hindus[3]. Já Albin Lesky é da opinião de que “isto nos permite supor precisamente para a época mais antiga, uma poderosa vitalidade de fábulas com animais amplamente difundidas”[4]. Em síntese, pelo que esses autores nos informam, consideramos, com Manuel Aveleza e Albin Lesky, que a origem das fábulas se perde, na pré-história, sem sabermos precisar exatamente quando elas se iniciam.
\n\n```\n\n## As fábulas em ambiente grego\n\n```{=html} \n\n
No Ocidente, a primeira fábula da qual se tem notícia é “O Falcão e o Rouxinol”, de Hesíodo (séc. VIII a.C.), que se encontra em sua obra Os Trabalhos e os Dias. Depois, nos séculos VII e VI a.C., vários autores helênicos compuseram diversas fábulas, das quais apenas poucos fragmentos ou notícias indiretas nos chegaram. Arquíloco, por exemplo, conta-nos uma história acerca da raposa e do macaco (frag. 81) e da vingança da raposa contra a águia perjura (frag. 89). Há também o fragmento de um poema de Semônides (frag. 11) que provém da história do escaravelho que castiga a hybris da águia”[5]. Porém, consoante Aveleza[6], é Esopo que será considerado o pai das fábulas, “pelo fato de ele ter sido o primeiro a utilizá-la metodicamente e com sucesso”.
Como nos é relatado por Citroni, “não foi por acaso que a invenção da fábula foi atribuída a Esopo, um escravo estrangeiro e uma figura semilendária e portador de um tipo de sabedoria elementar dotada de uma eficácia desarmante”[7]. Como ainda é salientado por Citroni, “à volta de Esopo (o qual data do século VI a. C.) formara-se um vasto anedotário romanesco e a ele se acabava por atribuir praticamente todo o patrimônio relacionado a fábulas de animais, veiculadas pela sabedoria popular”. Citroni ainda nos relata que “a primeira coletânea de fábulas esópicas das quais há notícia foi feita por Demétrio de Falero, por volta de 300 a.C. Porém as coletâneas que sobreviveram são muito tardias, situando-se entre os séculos II e V d.C.”[8].
\n \n```\n\n## As fábulas em ambiente latino\n\n```{=html} \n\n\n
Quanto à presença das fábulas, no ambiente latino, Ettore Paratore nos informa que “a fábula mais refinada da poesia latina é o apólogo do rato do campo e do rato da cidade, na sátira II,6 de Horácio; mas testemunhos dão-nos a entender que já na poesia arcaica latina, em Épio e em Lucílio, tinham sido introduzidas fábulas”[9]. Paratore ainda nos fala que “o primeiro século do Império apresenta-nos um autor que foi o primeiro, na literatura latina, a fazer da fábula a sua única forma de arte e talvez tenha sido o primeiro de toda antiguidade clássica.”[10] O autor do qual fala Paratore é o poeta Fedro, que se fez poeta de fábulas não apenas pelo desejo “de reparação moral das injustiças observadas e talvez sofridas, na sua vida, mas também pelo desejo de conquistar fama escolhendo uma via não seguida há muito pelos outros poetas”[11].
\n \n```\n\n## Esopo\n\n```{=html} \n\n\n \n
Como dissemos acima, é uma figura semilendária, Esopo, do qual pouco se sabe, a ponto de Samuel Netto chegar a afirmar que Esopo talvez seja “apenas um nome inventado para fornecer um autor em carne e osso para antigas fábulas gregas”[12]. Por isso, conforme Lesky[13], “o que pode ter sido histórico em Esopo está inteiramente coberto por uma ficção transbordante de fantasia que leva o escravo frígio através dos países e destinos mais variados, para o fazer perecer finalmente em Delfos, vítima da inveja e da astúcia”.
Todos os autores, no entanto, são unânimes em afirmar que Esopo está situado por volta do Século VI a.C. Segundo o historiador Heródoto, foi escravo frígio de certo Jádmon e uma das provas disso “é que, tendo os Délfios mandado perguntar várias vezes por um arauto, de acordo com as ordens de um oráculo, se alguém queria vingar a morte de Esopo, não se apresentou senão um neto de Jádmon, com o mesmo nome do avô. Logo, Esopo foi escravo de Jádmon”[14] e conforme ainda nos informa Samuel Netto “se os elementos concretos sobre a vida de Esopo escasseiam e, mais do que isso, estão envolvidos em nuvens de incerteza, não é menor a nossa ignorância quanto à maneira como se constitui a coletânea das fábulas esópicas”[15]. No entanto, de todo o modo, a Esopo são atribuídas cerca de 200 fábulas.
\n\n```\n\n## Fedro\n\n```{=html} \n\n\n\n
No que se refere à origem de Fedro, tendo-se pouco conhecimento a seu respeito, sabe-se, pelo que se extrai das informações de sua obra, que ele não é latino, porém, como nos diz Marmorale: “absorveu a civilização, o espírito e a moral latinas, até o ponto de se poder considerar um dos expoentes mais típicos de algumas facetas da mentalidade romana”[16]. Assim, Fedro nasceu na Trácia, foi levado a Roma como escravo, pertencente ao imperador Augusto, mas depois foi libertado por ele. Como o próprio Fedro discorre para nós, em seu livro, ele foi um liberto de Augusto, viveu, no início do séc. I d.C.
Fedro escreveu durante os reinados de Tibério e Calígula, entre os anos 14 e 41 d.C. Por ocasião do governo de Tibério, lançou seus dois primeiros livros de fábulas, que continham alusões políticas ao mau governo de Roma e à conduta condenável dos nobres. Talvez por causa dessas alusões políticas que tenha feito, foi perseguido por Serjano, principal auxiliar do imperador Tibério, pois como nos informa Zélia de Almeida Cardoso[17]: “aludiu claramente a fatos e pessoas de sua época, o que lhe valeu o exílio”. Escreveu ao todo 123 fábulas, reunidas em um número de cinco livros, porém, como nos diz Marmorale, “a sorte de Fedro não foi grande na antiguidade”[18], pois, nos dizeres de Paratore, dos autores ilustres posteriores a ele talvez só Marcial o tenha recordado, uma vez que Sêneca não o conheceu ou finge não tê-lo conhecido[19]. Assim, o primeiro que de fato nomeou Fedro foi Aviano, fabulista latino do século V. “Desde então, a fama de Fedro aumentava cada vez mais”[20] e foi bastante difundida, como nos aponta mais uma vez Zélia Cardoso[21]: “suas fábulas serão imitadas por escritores de várias épocas e nacionalidades”.
\n\n```\n\n## Características das fábulas\n\n```{=html} \n\n
Mas afinal de contas, quais são as características do gênero? Quem nos ajuda a apontar as características do gênero fábulas é Manuel Aveleza. Conforme o autor mencionado, as fábulas são uma breve narrativa alegórica, de caráter individual, moralizante e didático[22], ou, como nos diz Jaeger, elas possuem “uma forma de exemplo didático altamente significativo”[23] e nas palavras do próprio Fedro, as fábulas têm um duplo escopo: provocar o riso e admoestar por meio de conselhos[24].
O que acontece nas fábulas é que seres irracionais (animais, coisas ou objetos) contracenam entre si, pensam, sentem, agem e falam como se fossem seres humanos. Nas cenas, simbolizam situações, comportamentos, interesses, paixões e sentimentos que nem sempre podem ser focalizados diretamente, às vezes por satirizar ou criticar pessoas ou grupos políticos. Assim, nos informa Aveleza:
“Por vezes, a fábula propõe imaginosas explicações sobre a origem de certos comportamentos, relacionados com animais ou com coisas e objetos, assumindo, assim, intenções etiológicas”[25]. E, por fim, conforme ainda nos salienta Lesky, o sentido inicial das fábulas, tal qual concebido por Hesíodo e por Arquíloco “é o de crítica social, que, mal dissimulada, é um ataque suficientemente explícito à arbitrariedade dos poderosos em nome dos fracos e sob o signo da justiça. A fábula sofreu, depois, todo o tipo de transformações, convertendo-se em transmissora de moralidade e em exercícios para as escolas retóricas, mas, a princípio, é uma forma de exortação, que mostra o que é verdadeiro e justo, em determinadas circunstâncias, sem ferir com a expressão direta”[26].
\n\n```\n\n## Notas de rodapé\n\n```{=html} \n \n \n
3 O LOBO E O CORDEIRO AUTORES MODERNOS E CONTEMPORÂNEOS
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Analisemos, agora, as fábulas homônimas dos autores modernos e contemporâneos.
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\n\n```\n\n## Jean de La Fontaine\n\n```{=html} \n\n
O Lobo e o Cordeiro
Um cordeiro estava bebendo água num riacho. O terreno era inclinado e por isso havia uma correnteza forte. Quando ele levantou a cabeça, avistou um lobo, também bebendo da água.
— Como é que você tem a coragem de sujar a água que eu bebo — disse o lobo, que estava alguns dias sem comer e procurava algum animal apetitoso para matar a fome.
— Senhor — respondeu o cordeiro — não precisa ficar com raiva porque eu não estou sujando nada. Bebo aqui, uns vinte passos mais abaixo, é impossível acontecer o que o senhor está falando.
— Você agita a água — continuou o lobo ameaçador — e sei que você andou falando mal de mim no ano passado.
— Não pode — respondeu o cordeiro — no ano passado eu ainda não tinha nascido.
O lobo pensou um pouco e disse:
— se não foi você foi seu irmão, o que dá no mesmo.
— Eu não tenho irmão - disse o cordeiro — sou filho único.
— Alguém que você conhece, algum outro cordeiro, um pastor ou um dos cães que cuidam do rebanho, e é preciso que eu me vingue.
Então ali, dentro do riacho, no fundo da floresta, o lobo saltou sobre o cordeiro, agarrou-o com os dentes e o levou para comer num lugar mais sossegado.
MORAL: A razão do mais forte é sempre a melhor.
\n\n```\n\n### Comentário: O Lobo e o Cordeiro de La Fontaine\n\n```{=html} \n \n
O fabulista francês coloca essa ideia do mais forte, em sua fábula, na qual o lobo acaba prevalecendo, para dizer, desse modo, que o mais poderoso sempre acha uma forma para que a sua razão seja a melhor. Assim, nessa mesma relação de força e de poder, por mais que o cordeiro de La Fontaine tentasse argumentar, defender a sua causa e se mostrar inocente; o lobo, por sua vez, já está decidido: ele “que estava alguns dias sem comer e procurava algum animal apetitoso para matar a fome”, está totalmente convencido de que é com aquele frágil cordeiro que ele se alimentará. Para isso, tendo inventado todas as possíveis causas e mentiras, traz consigo uma certeza da qual ele próprio se convence: “É preciso que eu me vingue”, e, então, agarra com os dentes aquele que em si é só inocência.
Estava o cordeiro a beber num córrego, quando apareceu um lobo esfaimado, de horrendo aspecto.
— Que desaforo é esse de turvar a água que venho beber? — disse o monstro arreganhando os dentes. Espere, que vou castigar tamanha má-criação!…
O cordeirinho, trêmulo de medo, respondeu com inocência:
— Como posso turvar a água que o senhor vai beber se ela corre do senhor para mim?
Era verdade aquilo e o lobo atrapalhou-se com a resposta. Mas não deu o rabo a torcer.
— Além disso — inventou ele — sei que você andou falando mal de mim o ano passado.
— Como poderia falar mal do senhor o ano passado, se nasci este ano?
Novamente confundido pela voz da inocência, o lobo insistiu:
— Se não foi você, foi seu irmão mais velho, o que dá no mesmo.
— Como poderia ser meu irmão mais velho, se sou filho único?
O lobo furioso, vendo que com razões claras não vencia o pobrezinho, veio com uma razão de lobo faminto:
— Pois se não foi seu irmão, foi seu pai ou seu avô!
E — nhoc! — sangrou-o no pescoço.
MORAL: Contra a força não há argumentos.
\n \n```\n\n### Comentário: O Lobo e o Cordeiro de Monteiro Lobato\n\n```{=html} \n\n\n
Em Monteiro Lobato, continua a mesma relação de poder. No entanto, percebemos nitidamente que Lobato está se dirigindo a crianças. Depois que os seus filhos nasceram, Lobato viu que faltavam boas histórias para as crianças brasileiras, então, resolveu adaptar e recontar as fábulas de Esopo, de Fedro e La Fontaine. Desse modo, tendo em vista o seu público alvo, são perceptíveis na sua fábula recursos como o uso dos diminutivos, bem próximos da linguagem pueril: cordeirinho, pobrezinho; percebe-se, de fato, uma linguagem mais coloquial, como que em tom de conversa: de horrendo aspecto, arreganhando os dentes, mas não deu o rabo a torcer, e o uso da onomatopeia: nhoc.
De modo a evitar problemas em relação a direitos autorais, os autores e o editor optaram por não colocar os textos das fábulas do Millôr Fernandes. Mas você, leitor, pode, facilmente, clicar no link seguinte para conseguir ler: Millôr - O Lobo e o Cordeiro.
\n\n```\n\n### Comentário: O Lobo e o Cordeiro de Millôr Fernandes\n\n```{=html} \n\n \n
Ao contrário dos demais autores, Millôr narra a fábula, a partir da experiência do cordeiro: este aparece como superior ao lobo. Desse modo, no final não será a força física que vai sair vencedora, mas sim a força da palavra e do argumento do cordeiro, que soube ludibriar o lobo de tal forma que ganhou tempo até a chegada do caçador que esquartejou o lobo. O cordeiro de Millôr é mais esperto que o lobo, pois, com frequência, o lanígero caçoa daquele que, em tese, seria o mais forte. Diferentemente dos outros autores, Millôr concede um tom mais humorístico à sua fábula, o que é característico deste autor. Millôr Fernandes, por fim, de certa forma satiriza a fábula tradicional.
3 O LOBO E O CORDEIRO AUTORES MODERNOS E CONTEMPORÂNEOS
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Analisemos, agora, as fábulas homônimas dos autores modernos e contemporâneos.
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\n\n```\n\n## Jean de La Fontaine\n\n```{=html} \n\n
O Lobo e o Cordeiro
Um cordeiro estava bebendo água num riacho. O terreno era inclinado e por isso havia uma correnteza forte. Quando ele levantou a cabeça, avistou um lobo, também bebendo da água.
— Como é que você tem a coragem de sujar a água que eu bebo — disse o lobo, que estava alguns dias sem comer e procurava algum animal apetitoso para matar a fome.
— Senhor — respondeu o cordeiro — não precisa ficar com raiva porque eu não estou sujando nada. Bebo aqui, uns vinte passos mais abaixo, é impossível acontecer o que o senhor está falando.
— Você agita a água — continuou o lobo ameaçador — e sei que você andou falando mal de mim no ano passado.
— Não pode — respondeu o cordeiro — no ano passado eu ainda não tinha nascido.
O lobo pensou um pouco e disse:
— se não foi você foi seu irmão, o que dá no mesmo.
— Eu não tenho irmão - disse o cordeiro — sou filho único.
— Alguém que você conhece, algum outro cordeiro, um pastor ou um dos cães que cuidam do rebanho, e é preciso que eu me vingue.
Então ali, dentro do riacho, no fundo da floresta, o lobo saltou sobre o cordeiro, agarrou-o com os dentes e o levou para comer num lugar mais sossegado.
MORAL: A razão do mais forte é sempre a melhor.
\n\n```\n\n### Comentário: O Lobo e o Cordeiro de La Fontaine\n\n```{=html} \n \n
O fabulista francês coloca essa ideia do mais forte, em sua fábula, na qual o lobo acaba prevalecendo, para dizer, desse modo, que o mais poderoso sempre acha uma forma para que a sua razão seja a melhor. Assim, nessa mesma relação de força e de poder, por mais que o cordeiro de La Fontaine tentasse argumentar, defender a sua causa e se mostrar inocente; o lobo, por sua vez, já está decidido: ele “que estava alguns dias sem comer e procurava algum animal apetitoso para matar a fome”, está totalmente convencido de que é com aquele frágil cordeiro que ele se alimentará. Para isso, tendo inventado todas as possíveis causas e mentiras, traz consigo uma certeza da qual ele próprio se convence: “É preciso que eu me vingue”, e, então, agarra com os dentes aquele que em si é só inocência.
Estava o cordeiro a beber num córrego, quando apareceu um lobo esfaimado, de horrendo aspecto.
— Que desaforo é esse de turvar a água que venho beber? — disse o monstro arreganhando os dentes. Espere, que vou castigar tamanha má-criação!…
O cordeirinho, trêmulo de medo, respondeu com inocência:
— Como posso turvar a água que o senhor vai beber se ela corre do senhor para mim?
Era verdade aquilo e o lobo atrapalhou-se com a resposta. Mas não deu o rabo a torcer.
— Além disso — inventou ele — sei que você andou falando mal de mim o ano passado.
— Como poderia falar mal do senhor o ano passado, se nasci este ano?
Novamente confundido pela voz da inocência, o lobo insistiu:
— Se não foi você, foi seu irmão mais velho, o que dá no mesmo.
— Como poderia ser meu irmão mais velho, se sou filho único?
O lobo furioso, vendo que com razões claras não vencia o pobrezinho, veio com uma razão de lobo faminto:
— Pois se não foi seu irmão, foi seu pai ou seu avô!
E — nhoc! — sangrou-o no pescoço.
MORAL: Contra a força não há argumentos.
\n \n```\n\n### Comentário: O Lobo e o Cordeiro de Monteiro Lobato\n\n```{=html} \n\n\n
Em Monteiro Lobato, continua a mesma relação de poder. No entanto, percebemos nitidamente que Lobato está se dirigindo a crianças. Depois que os seus filhos nasceram, Lobato viu que faltavam boas histórias para as crianças brasileiras, então, resolveu adaptar e recontar as fábulas de Esopo, de Fedro e La Fontaine. Desse modo, tendo em vista o seu público alvo, são perceptíveis na sua fábula recursos como o uso dos diminutivos, bem próximos da linguagem pueril: cordeirinho, pobrezinho; percebe-se, de fato, uma linguagem mais coloquial, como que em tom de conversa: de horrendo aspecto, arreganhando os dentes, mas não deu o rabo a torcer, e o uso da onomatopeia: nhoc.
De modo a evitar problemas em relação a direitos autorais, os autores e o editor optaram por não colocar os textos das fábulas do Millôr Fernandes. Mas você, leitor, pode, facilmente, clicar no link seguinte para conseguir ler: Millôr - O Lobo e o Cordeiro.
\n\n```\n\n### Comentário: O Lobo e o Cordeiro de Millôr Fernandes\n\n```{=html} \n\n \n
Ao contrário dos demais autores, Millôr narra a fábula, a partir da experiência do cordeiro: este aparece como superior ao lobo. Desse modo, no final não será a força física que vai sair vencedora, mas sim a força da palavra e do argumento do cordeiro, que soube ludibriar o lobo de tal forma que ganhou tempo até a chegada do caçador que esquartejou o lobo. O cordeiro de Millôr é mais esperto que o lobo, pois, com frequência, o lanígero caçoa daquele que, em tese, seria o mais forte. Diferentemente dos outros autores, Millôr concede um tom mais humorístico à sua fábula, o que é característico deste autor. Millôr Fernandes, por fim, de certa forma satiriza a fábula tradicional.
Nesta seção, apresentaremos o texto e a tradução da fábula “O Lobo e o Cordeiro”, tanto a de Esopo quanto a de Fedro. Além disso, analisaremos as caraterísticas estilísticas de cada autor e, em seguida, apresentamos uma análise comparativa entre os mesmos.
Um lobo, ao ver um cordeiro que bebia de um rio, quis devorá-lo com uma causa lógica. Por isso, estando do lado de cima, o acusou de estar turvando a água e o impedindo de bebê-la. Tendo respondido, o cordeiro diz que bebia com a ponta do focinho e que, além disso, estando na parte de baixo, ele não podia turvar a água da parte de cima. O lobo, não conseguindo este seu intento diz: “Mas no ano passado tu insultaste o meu pai”. Quando aquele cordeiro falou que naquele tempo ainda não tinha nascido, o lobo disse a ele: “embora tu consigas defender-te, eu não deixarei de te devorar”.
O discurso mostra que para aqueles cujo plano é praticar a injustiça, nem uma defesa justa se mantém.
\n\n```\n\n## Fedro\n\n```{=html} \n\n\n
Lupus et Agnus
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Ad rivum eundem lupus et agnus venerant siti compulsi; superior stabat lupus longeque inferior agnus. Tunc fauce improba latro incitatus iurgii causam intulit. “Quare”, inquit, “turbulentam fecisti mihi aquam bibenti?” Laniger contra timens: “Qui possum, quaeso, facere quod quereris, lupe? A te decurrit ad meos haustus liquor”. Repulsus ille veritatis viribus: “Ante hos sex menses male” ait “dixisti mihi”. Respondit agnus: “Equidem natus noueram”. “Pater hercle tuus” ille inquit “male dixit mihi”; atque ita correptum lacerat, iniusta nece.
Haec propter illos scripta est homines fabula, Qui fictis causis innocentes opprimunt.
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O Lobo e o Cordeiro
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Para o mesmo rio, o lobo e o cordeiro tinham vindo impelidos pela sede. Mais acima, de pé, estava o lobo, e muito mais abaixo o cordeiro. Então, o ladrão, incitado pela goela ímproba, apresentou a causa do litígio. “Por que”, diz, “fizeste turva a água, a mim que bebo?” O Lanígero, de outra parte, temendo perguntou: “Como posso fazer o que te queixas, ó lobo? O líquido decorre de ti para os meus goles”. Aquele, repelido pelas forças da verdade disse: “Antes destes seis meses falaste mal de mim”. O cordeiro respondeu: “Na verdade, eu não tinha nascido”. Aquele disse, “Por Hércules! Teu pai falou mal de mim”; e assim dilacera o arrebatado com morte injusta.
Esta fábula foi escrita por causa daqueles homens que oprimem os inocentes com causas fictícias.
\n\n```\n\n## Estilo de cada autor\n\n```{=html} \n\n
Passemos, agora, aos estilos adotados por Esopo e por Fedro.
Esopo, em sua fábula, já nos apresenta o lobo na qualidade de sujeito, como aquele que é o verdadeiro agente das suas ações, e que não é movido por outros, mas ele próprio impõe suas vontades e desejos, ele é Λύκος, que nos é descrito como um sujeito indeterminado, tendo em vista a ausência do artigo definido; por outro lado, o cordeiro nos é descrito como o objeto das ações do lobo: ἄρνα, se encontra no acusativo grego, sendo o foco das atenções do esfaimado animal.
Com efeito, a primeira ação do lobo será a de ver o seu objeto de desejo, como indica o particípio aoristo médio θεασάμενος (vendo); a forma participial πίνοντα (que bebia), que é adjetivo do acusativo ἄρνα, que compõe a oração adjetiva e que nos explica o que o cordeiro fazia, no exato momento, em que estava sendo visto pelo lobo. Ainda dentro da oração adjetiva, o adjunto adverbial ἀπό τινος ποταμοῦ (de um rio) nos indica o lugar de onde o cordeiro saciava sua sede. Então, é a esse cordeiro, que bebia de um rio, que o lobo vê, e concomitante deseja algo, como nos indica o aoristo passivo ἐβουλήθη (quis).
Desse modo, temos aqui uma relação temporal com ações que se dão ao mesmo tempo, e aquilo que o lobo deseja fazer com o cordeiro nos é indicado pelo verbo no infinitivo aoristo passivo καταθοινήσασθαι (devorar), que aqui, sintaticamente, exerce a função de complemento do verbo de vontade ἐβουλήθη (quis).
Assim, o lobo desejou ter o cordeiro por banquete, quis devorá-lo, como podemos ver o cordeiro sendo retomado pelo pronome demonstrativo τοῦτον[27]. Mas, para realizar o seu intento, o lobo não poderia fazê-lo assim do nada, sem motivo algum, quis se valer de uma razão, de uma causa que fosse razoável, lógica, esse seria o modo pelo qual o lobo gostaria de tornar real a sua vontade, como nos aponta o adjunto adverbial de modo μετά τινος εὐλόγου αἰτίας (com uma causa lógica). E aqui estamos diante de conceitos propriamente gregos como, αἰτία (causa), εὐλόγος (razoável, lógico), que seriam tratados dentro da filosofia. No entanto, apesar de o lobo querer fazer uso de uma causa que fosse razoável, na verdade, será de uma forma ilógica que ele irá atuar, como podemos ver dentro da oração causal iniciada pela partícula Διόπερ, pois embora o lobo estivesse do lado de cima (στὰς ἀνωτέρω) começou a acusar o cordeiro (ᾐτιᾶτο αὐτὸν), que estava do lado de baixo (κατωτέρω ἑστῶτα), de turvar a sua água. Assim, aquele que quis fazer uso da razão não conseguiu o seu intento (Ὁ λύκος ἀποτυχὼν ταύτης τῆς αἰτίας) e ainda se viu acuado pelo bom uso da razão por meio da qual o cordeiro fazia, ao refutar de forma razoável e lógica as posições ilógicas do lobo. Assim, tendo o lobo fracassado no uso da razão e reconhecendo a boa defesa feita pelo cordeiro, será com o uso da força que a fera executará o que tanto tinha desejado.
Desse modo, Esopo estrutura de tal forma a sua fábula, defendendo a ideia de que quando alguém já tiver pensado em praticar um plano injusto, mesmo que o outro apresente argumentos razoáveis, o primeiro faz prevalecer a sua vontade. É assim que o lobo aparece!
E, por fim, destacamos, na fábula “Λύκος καὶ Ἀρήν”, de Esopo, algumas análises de casos mais relevantes. Assim, sublinhamos o genitivo de origem ἀπό τινος ποταμοῦ (de um rio); o genitivo de causa μετά τινος εὐλόγου αἰτίας (com uma causa lógica); os genitivos absolutos Τοῦ δὲ λέγοντος (tendo ele respondido), Εἰπόντος δὲ ἐκείνου (tendo aquele falado); o dativo de instrumento ἄκροις τοῖς χείλεσι (com a ponta do focinho); o dativo de interesse οἷς ἡ πρόθεσίς ἐστιν ἀδικεῖν (para aqueles que o plano é injusto); o dativo de companhia παρ᾿αὐτοῖς (junto dos quais) e o acusativo de direção ἔφη πρὸς αὐτόν (disse a ele). Quanto à métrica, as fábulas de Esopo eram compostas em versos iâmbicos, pois, como já nos informava Maria Helena na Rocha Pereira[28]: “o iambo estava muito próximo do ritmo da linguagem falada e se prestava especialmente a traduzir atitudes simples e naturais”.
\n \n```\n\n### Fedro: “Lupus et agnus”\n\n```{=html} \n\n
No que se refere à fábula “o Lobo e o cordeiro”, de Fedro, ressaltamos o fato de que já no seu início há uma ideia de rivalidade, como atestamos, nos sintagmas iniciais. Na abertura da fábula, Fedro nos diz que o lobo e o cordeiro vêm ad rivum eundem (ao mesmo rio). Com efeito, será esse vocábulo latino rivum (riacho) que dará em português, por exemplo, os termos rival, rivalidade e seus derivados. Mas, essa rivalidade entre o lobo e o cordeiro não se manifestaria enquanto eles estivessem sendo movidos por um mesmo desejo. Ambos vão ao mesmo rio, levados por um mesmo impulso, como indica o sintagma siti compulsi (“impelidos pela sede”) no qual há o ablativo siti (“pela sede”), exercendo a função de agente da passiva do particípio passado, compulsi (“impelidos”).
Desse modo, a rivalidade, a oposição entre ambos, viria, à tona, apenas quando os impulsos começassem a divergir. Com efeito, é o que vai acontecer, e a marca dessa divergência será dada pela conjunção temporal tunc (“então”). Ou seja, o tunc assinala o tempo em que o que ainda não tinha acontecido até aquele dado momento a partir de então passaria a acontecer. Desse modo, a rivalidade seria acentuada diante da divergência dos impulsos. O lobo que, até então, estava sendo impelido pela sede (siti compulsi), como também o cordeiro o estava, passaria agora a estar incitado pela goela ímproba (foce improba latro incitatus).
Aqui vale ressaltar essas personificações utilizadas por Fedro nos agentes da passiva, em que impulsos e desejos, personificados, assumem atitudes que são próprias de seres humanos. Assim, não são o lobo e o cordeiro que têm sede, mas eles são impelidos por ela; do mesmo modo, não é o lobo que tem fome, mas ele é incitado pela goela ímproba. Dessa maneira, a divergência será estabelecida. O ladrão apresenta, então, a causa do litígio (latro incitatus iurgii causam intulit) e inventa que a turbulência da água por parte do cordeiro o impede de saciar a sede.
Outro aspecto, que vale a pena ser considerado, é essa forma como os personagens da fábula são caracterizados: Fedro chama o lobo de latro (ladrão), adjetivo que não seria o mais comum para determinar um animal, senão pessoas. Nesse sentido, parece que Fedro está atribuindo a um animal um vício, que se faz presente nos homens; por outro lado, o cordeiro vem determinado por Fedro como lanígero, belo exemplo de sinédoque que o caracteriza.
Então, tendo sido apresentada a causa do litígio, a oposição está, assim, estabelecida. Desse modo, definida a relação entre o lobo e o cordeiro, Fedro os distribui colocando o lobo, na parte superior; e o cordeiro, de longe, na parte inferior. O advérbio longe (“de longe”), demarca lugar, sinaliza como Fedro quis ressaltar a distância entre ambos. Eles não estavam perto, mas sim longe. Podemos também constatar que o fabulista propositadamente faz uso das palavras superior e inferior, que no português vieram com a mesma estrutura linguística. Nelas já implicitamente configura-se essa ideia de poder, de quem está mais acima e de quem está mais abaixo. Assim, o autor não está apenas fazendo a descrição de um espaço geográfico, mas está querendo dizer que há uma relação existencial, que esses dois animais têm e passam a ter entre si. O lobo é superior, o cordeiro, inferior e nessa condição de superioridade o lobo vai oprimir o cordeiro.
Assim, a primeira tentativa de opressão por parte do lobo vai dar-se pelo uso da palavra, quando o ladrão apresenta a causa do litígio, mas “ele será repelido pelas forças da verdade” (Repulsus ille veritatis viribus), tanto numa primeira, quanto numa segunda tentativa. Estaria Fedro dizendo que os que fazem uso da força não sabem argumentar? Vencido pelas forças da verdade, o ladrão faz uso da força física de modo que o cordeiro foi dilacerado, arrebatado com morte injusta.
Algumas análises de casos merecem ser sinalizadas, como, por exemplo, o ablativo de origem em a te decurrit (“de ti decorre”), o acusativo de movimento de lugar para onde em ad meos haustus (“aos meus goles”). Os ablativos de meio em ueritatis uiribus (“pelas forças da verdade”) e fictis causis (“por meio de causas fictícias”) e o ablativo de modo em iniusta nece (“com morte injusta”).
Outro aspecto que destacamos é hercle, utilizado pelo lobo, que “é uma expressão de juramento muito comum entre a plebe romana. Os homens quase sempre juravam “por Hércules” e as mulheres “por Castor””, como nos informa Maximiano Gonçalves[29]. Vale, por fim, ressaltar que a métrica utilizada por Fedro é o senário iâmbico, como ele mesmo discorre, no prólogo de suas fábulas: Ego polivi versibus senariis hanc materiam quam Aesopus auctor repperit (“eu poli, em versos senários, esta matéria que Esopo autor descobriu”). Quanto a isso, Louis Nougaret[30] nos informa que Fedro faz uso de tal métrica, “possivelmente para acentuar assim o caráter familiar de suas narrativas” e os versos são constituídos assim: podem ter como pés espondeu (˗ ˗), dátilo (ˉ ̆ ̆ ), anapesto (˘ ̆ ˉ) ou tríbaco ( ̆ ̆ ̆ ) nos lugares pares e ímpares, mas devem terminar com um iambo ( ̆ ˉ)[31].
Nas fábulas homônimas “O lobo e o cordeiro” de Fedro e de Esopo, podemos afirmar que a estrutura foi similar: presença de animais, de seres irracionais, que pensavam, sentiam, agiam e falavam como se fossem seres humanos. Dessa maneira, a escolha dos animais foi significativa para o aspecto moralizante que pretenderam conceder, para o ensinamento também pretendido. Assim, o lobo, por um lado, se apresenta como símbolo da força e do poder, ao passo que o cordeiro reflete a fragilidade, a inocência e a pureza de vida e de coração. Desse modo, valendo-se desses animais, cada autor procurava explicar certos comportamentos ou sentimentos humanos ou mesmo satirizar certos grupos políticos da época, que utilizam do seu poder para oprimir os mais fracos. Não é demais ressaltar que, por causa dessa relação entre força e fraqueza, presente nesses animais, em torno deles foram criados alguns provérbios, tais como: “Ele é um lobo em pele de cordeiro”, para dizer, acerca da falsidade de uma pessoa; ou o tão conhecido: “Como um cordeiro no meio de lobos”, para se referir àquelas pessoas que se encontram no meio de perigos.
Assim esses autores, cada um ao seu modo, compartilham o pensamento comum de que os poderosos de suas épocas se valem de sua autoridade de forma autoritária para conquistarem seus objetivos.
\n\n \n\n\n```\n\n## Notas de rodapé\n\n```{=html} \n \n \n
τοῦτον, cujo nominativo é οὗτος, designa aquilo que se fala ou que se acabou de falar. ↑
PEREIRA, M.H.R., Estudos de história da cultura clássica, vol. I, p. 210. ↑
GONÇALVES, M.A., Tradução das Fábulas de Fedro, p. 32. ↑
NOUGARET, L., Trairé de Métrique Latine Classique, p. 95. ↑
Nesta seção, apresentaremos o texto e a tradução da fábula “O Lobo e o Cordeiro”, tanto a de Esopo quanto a de Fedro. Além disso, analisaremos as caraterísticas estilísticas de cada autor e, em seguida, apresentamos uma análise comparativa entre os mesmos.
Um lobo, ao ver um cordeiro que bebia de um rio, quis devorá-lo com uma causa lógica. Por isso, estando do lado de cima, o acusou de estar turvando a água e o impedindo de bebê-la. Tendo respondido, o cordeiro diz que bebia com a ponta do focinho e que, além disso, estando na parte de baixo, ele não podia turvar a água da parte de cima. O lobo, não conseguindo este seu intento diz: “Mas no ano passado tu insultaste o meu pai”. Quando aquele cordeiro falou que naquele tempo ainda não tinha nascido, o lobo disse a ele: “embora tu consigas defender-te, eu não deixarei de te devorar”.
O discurso mostra que para aqueles cujo plano é praticar a injustiça, nem uma defesa justa se mantém.
\n\n```\n\n## Fedro\n\n```{=html} \n\n\n
Lupus et Agnus
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Ad rivum eundem lupus et agnus venerant siti compulsi; superior stabat lupus longeque inferior agnus. Tunc fauce improba latro incitatus iurgii causam intulit. “Quare”, inquit, “turbulentam fecisti mihi aquam bibenti?” Laniger contra timens: “Qui possum, quaeso, facere quod quereris, lupe? A te decurrit ad meos haustus liquor”. Repulsus ille veritatis viribus: “Ante hos sex menses male” ait “dixisti mihi”. Respondit agnus: “Equidem natus noueram”. “Pater hercle tuus” ille inquit “male dixit mihi”; atque ita correptum lacerat, iniusta nece.
Haec propter illos scripta est homines fabula, Qui fictis causis innocentes opprimunt.
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O Lobo e o Cordeiro
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Para o mesmo rio, o lobo e o cordeiro tinham vindo impelidos pela sede. Mais acima, de pé, estava o lobo, e muito mais abaixo o cordeiro. Então, o ladrão, incitado pela goela ímproba, apresentou a causa do litígio. “Por que”, diz, “fizeste turva a água, a mim que bebo?” O Lanígero, de outra parte, temendo perguntou: “Como posso fazer o que te queixas, ó lobo? O líquido decorre de ti para os meus goles”. Aquele, repelido pelas forças da verdade disse: “Antes destes seis meses falaste mal de mim”. O cordeiro respondeu: “Na verdade, eu não tinha nascido”. Aquele disse, “Por Hércules! Teu pai falou mal de mim”; e assim dilacera o arrebatado com morte injusta.
Esta fábula foi escrita por causa daqueles homens que oprimem os inocentes com causas fictícias.
\n\n```\n\n## Estilo de cada autor\n\n```{=html} \n\n
Passemos, agora, aos estilos adotados por Esopo e por Fedro.
Esopo, em sua fábula, já nos apresenta o lobo na qualidade de sujeito, como aquele que é o verdadeiro agente das suas ações, e que não é movido por outros, mas ele próprio impõe suas vontades e desejos, ele é Λύκος, que nos é descrito como um sujeito indeterminado, tendo em vista a ausência do artigo definido; por outro lado, o cordeiro nos é descrito como o objeto das ações do lobo: ἄρνα, se encontra no acusativo grego, sendo o foco das atenções do esfaimado animal.
Com efeito, a primeira ação do lobo será a de ver o seu objeto de desejo, como indica o particípio aoristo médio θεασάμενος (vendo); a forma participial πίνοντα (que bebia), que é adjetivo do acusativo ἄρνα, que compõe a oração adjetiva e que nos explica o que o cordeiro fazia, no exato momento, em que estava sendo visto pelo lobo. Ainda dentro da oração adjetiva, o adjunto adverbial ἀπό τινος ποταμοῦ (de um rio) nos indica o lugar de onde o cordeiro saciava sua sede. Então, é a esse cordeiro, que bebia de um rio, que o lobo vê, e concomitante deseja algo, como nos indica o aoristo passivo ἐβουλήθη (quis).
Desse modo, temos aqui uma relação temporal com ações que se dão ao mesmo tempo, e aquilo que o lobo deseja fazer com o cordeiro nos é indicado pelo verbo no infinitivo aoristo passivo καταθοινήσασθαι (devorar), que aqui, sintaticamente, exerce a função de complemento do verbo de vontade ἐβουλήθη (quis).
Assim, o lobo desejou ter o cordeiro por banquete, quis devorá-lo, como podemos ver o cordeiro sendo retomado pelo pronome demonstrativo τοῦτον[27]. Mas, para realizar o seu intento, o lobo não poderia fazê-lo assim do nada, sem motivo algum, quis se valer de uma razão, de uma causa que fosse razoável, lógica, esse seria o modo pelo qual o lobo gostaria de tornar real a sua vontade, como nos aponta o adjunto adverbial de modo μετά τινος εὐλόγου αἰτίας (com uma causa lógica). E aqui estamos diante de conceitos propriamente gregos como, αἰτία (causa), εὐλόγος (razoável, lógico), que seriam tratados dentro da filosofia. No entanto, apesar de o lobo querer fazer uso de uma causa que fosse razoável, na verdade, será de uma forma ilógica que ele irá atuar, como podemos ver dentro da oração causal iniciada pela partícula Διόπερ, pois embora o lobo estivesse do lado de cima (στὰς ἀνωτέρω) começou a acusar o cordeiro (ᾐτιᾶτο αὐτὸν), que estava do lado de baixo (κατωτέρω ἑστῶτα), de turvar a sua água. Assim, aquele que quis fazer uso da razão não conseguiu o seu intento (Ὁ λύκος ἀποτυχὼν ταύτης τῆς αἰτίας) e ainda se viu acuado pelo bom uso da razão por meio da qual o cordeiro fazia, ao refutar de forma razoável e lógica as posições ilógicas do lobo. Assim, tendo o lobo fracassado no uso da razão e reconhecendo a boa defesa feita pelo cordeiro, será com o uso da força que a fera executará o que tanto tinha desejado.
Desse modo, Esopo estrutura de tal forma a sua fábula, defendendo a ideia de que quando alguém já tiver pensado em praticar um plano injusto, mesmo que o outro apresente argumentos razoáveis, o primeiro faz prevalecer a sua vontade. É assim que o lobo aparece!
E, por fim, destacamos, na fábula “Λύκος καὶ Ἀρήν”, de Esopo, algumas análises de casos mais relevantes. Assim, sublinhamos o genitivo de origem ἀπό τινος ποταμοῦ (de um rio); o genitivo de causa μετά τινος εὐλόγου αἰτίας (com uma causa lógica); os genitivos absolutos Τοῦ δὲ λέγοντος (tendo ele respondido), Εἰπόντος δὲ ἐκείνου (tendo aquele falado); o dativo de instrumento ἄκροις τοῖς χείλεσι (com a ponta do focinho); o dativo de interesse οἷς ἡ πρόθεσίς ἐστιν ἀδικεῖν (para aqueles que o plano é injusto); o dativo de companhia παρ᾿αὐτοῖς (junto dos quais) e o acusativo de direção ἔφη πρὸς αὐτόν (disse a ele). Quanto à métrica, as fábulas de Esopo eram compostas em versos iâmbicos, pois, como já nos informava Maria Helena na Rocha Pereira[28]: “o iambo estava muito próximo do ritmo da linguagem falada e se prestava especialmente a traduzir atitudes simples e naturais”.
\n \n```\n\n### Fedro: “Lupus et agnus”\n\n```{=html} \n\n
No que se refere à fábula “o Lobo e o cordeiro”, de Fedro, ressaltamos o fato de que já no seu início há uma ideia de rivalidade, como atestamos, nos sintagmas iniciais. Na abertura da fábula, Fedro nos diz que o lobo e o cordeiro vêm ad rivum eundem (ao mesmo rio). Com efeito, será esse vocábulo latino rivum (riacho) que dará em português, por exemplo, os termos rival, rivalidade e seus derivados. Mas, essa rivalidade entre o lobo e o cordeiro não se manifestaria enquanto eles estivessem sendo movidos por um mesmo desejo. Ambos vão ao mesmo rio, levados por um mesmo impulso, como indica o sintagma siti compulsi (“impelidos pela sede”) no qual há o ablativo siti (“pela sede”), exercendo a função de agente da passiva do particípio passado, compulsi (“impelidos”).
Desse modo, a rivalidade, a oposição entre ambos, viria, à tona, apenas quando os impulsos começassem a divergir. Com efeito, é o que vai acontecer, e a marca dessa divergência será dada pela conjunção temporal tunc (“então”). Ou seja, o tunc assinala o tempo em que o que ainda não tinha acontecido até aquele dado momento a partir de então passaria a acontecer. Desse modo, a rivalidade seria acentuada diante da divergência dos impulsos. O lobo que, até então, estava sendo impelido pela sede (siti compulsi), como também o cordeiro o estava, passaria agora a estar incitado pela goela ímproba (foce improba latro incitatus).
Aqui vale ressaltar essas personificações utilizadas por Fedro nos agentes da passiva, em que impulsos e desejos, personificados, assumem atitudes que são próprias de seres humanos. Assim, não são o lobo e o cordeiro que têm sede, mas eles são impelidos por ela; do mesmo modo, não é o lobo que tem fome, mas ele é incitado pela goela ímproba. Dessa maneira, a divergência será estabelecida. O ladrão apresenta, então, a causa do litígio (latro incitatus iurgii causam intulit) e inventa que a turbulência da água por parte do cordeiro o impede de saciar a sede.
Outro aspecto, que vale a pena ser considerado, é essa forma como os personagens da fábula são caracterizados: Fedro chama o lobo de latro (ladrão), adjetivo que não seria o mais comum para determinar um animal, senão pessoas. Nesse sentido, parece que Fedro está atribuindo a um animal um vício, que se faz presente nos homens; por outro lado, o cordeiro vem determinado por Fedro como lanígero, belo exemplo de sinédoque que o caracteriza.
Então, tendo sido apresentada a causa do litígio, a oposição está, assim, estabelecida. Desse modo, definida a relação entre o lobo e o cordeiro, Fedro os distribui colocando o lobo, na parte superior; e o cordeiro, de longe, na parte inferior. O advérbio longe (“de longe”), demarca lugar, sinaliza como Fedro quis ressaltar a distância entre ambos. Eles não estavam perto, mas sim longe. Podemos também constatar que o fabulista propositadamente faz uso das palavras superior e inferior, que no português vieram com a mesma estrutura linguística. Nelas já implicitamente configura-se essa ideia de poder, de quem está mais acima e de quem está mais abaixo. Assim, o autor não está apenas fazendo a descrição de um espaço geográfico, mas está querendo dizer que há uma relação existencial, que esses dois animais têm e passam a ter entre si. O lobo é superior, o cordeiro, inferior e nessa condição de superioridade o lobo vai oprimir o cordeiro.
Assim, a primeira tentativa de opressão por parte do lobo vai dar-se pelo uso da palavra, quando o ladrão apresenta a causa do litígio, mas “ele será repelido pelas forças da verdade” (Repulsus ille veritatis viribus), tanto numa primeira, quanto numa segunda tentativa. Estaria Fedro dizendo que os que fazem uso da força não sabem argumentar? Vencido pelas forças da verdade, o ladrão faz uso da força física de modo que o cordeiro foi dilacerado, arrebatado com morte injusta.
Algumas análises de casos merecem ser sinalizadas, como, por exemplo, o ablativo de origem em a te decurrit (“de ti decorre”), o acusativo de movimento de lugar para onde em ad meos haustus (“aos meus goles”). Os ablativos de meio em ueritatis uiribus (“pelas forças da verdade”) e fictis causis (“por meio de causas fictícias”) e o ablativo de modo em iniusta nece (“com morte injusta”).
Outro aspecto que destacamos é hercle, utilizado pelo lobo, que “é uma expressão de juramento muito comum entre a plebe romana. Os homens quase sempre juravam “por Hércules” e as mulheres “por Castor””, como nos informa Maximiano Gonçalves[29]. Vale, por fim, ressaltar que a métrica utilizada por Fedro é o senário iâmbico, como ele mesmo discorre, no prólogo de suas fábulas: Ego polivi versibus senariis hanc materiam quam Aesopus auctor repperit (“eu poli, em versos senários, esta matéria que Esopo autor descobriu”). Quanto a isso, Louis Nougaret[30] nos informa que Fedro faz uso de tal métrica, “possivelmente para acentuar assim o caráter familiar de suas narrativas” e os versos são constituídos assim: podem ter como pés espondeu (˗ ˗), dátilo (ˉ ̆ ̆ ), anapesto (˘ ̆ ˉ) ou tríbaco ( ̆ ̆ ̆ ) nos lugares pares e ímpares, mas devem terminar com um iambo ( ̆ ˉ)[31].
Nas fábulas homônimas “O lobo e o cordeiro” de Fedro e de Esopo, podemos afirmar que a estrutura foi similar: presença de animais, de seres irracionais, que pensavam, sentiam, agiam e falavam como se fossem seres humanos. Dessa maneira, a escolha dos animais foi significativa para o aspecto moralizante que pretenderam conceder, para o ensinamento também pretendido. Assim, o lobo, por um lado, se apresenta como símbolo da força e do poder, ao passo que o cordeiro reflete a fragilidade, a inocência e a pureza de vida e de coração. Desse modo, valendo-se desses animais, cada autor procurava explicar certos comportamentos ou sentimentos humanos ou mesmo satirizar certos grupos políticos da época, que utilizam do seu poder para oprimir os mais fracos. Não é demais ressaltar que, por causa dessa relação entre força e fraqueza, presente nesses animais, em torno deles foram criados alguns provérbios, tais como: “Ele é um lobo em pele de cordeiro”, para dizer, acerca da falsidade de uma pessoa; ou o tão conhecido: “Como um cordeiro no meio de lobos”, para se referir àquelas pessoas que se encontram no meio de perigos.
Assim esses autores, cada um ao seu modo, compartilham o pensamento comum de que os poderosos de suas épocas se valem de sua autoridade de forma autoritária para conquistarem seus objetivos.
\n\n \n\n\n```\n\n## Notas de rodapé\n\n```{=html} \n \n \n
τοῦτον, cujo nominativo é οὗτος, designa aquilo que se fala ou que se acabou de falar. ↑
PEREIRA, M.H.R., Estudos de história da cultura clássica, vol. I, p. 210. ↑
GONÇALVES, M.A., Tradução das Fábulas de Fedro, p. 32. ↑
NOUGARET, L., Trairé de Métrique Latine Classique, p. 95. ↑
Osautores dão à luz a tradução de duas fábulas, bem conhecidas e traduzidas do original: uma do grego antigo; outra do latim.
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Baseando-se na leitura de alguns autores renomados, acerca do assunto sobre o qual estamos tratando, apresentam-se as origens das fábulas em ambiente grego e latino, no qual os autores, Esopo e Fedro, viveram: ambos poetas fabulistas do cânon greco-romano.
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Neste humilde labor acadêmico, que ora se configura como libellus, também destacaremos as características das fábulas, os estilos de seus respectivos autores greco-romanos supracitados e os dos seus sucessores, autores da contemporaneidade. Destacar-se-á a análise linguística pormenorizada das obras focalizadas: Lupus et Agnus e de Vulpe et Vva.
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Após a tradução e a análise linguística e estilística de fábulas de Esopo e de Fedro, destacar-se-ão os pontos em comum e as suas diferenças semânticas, cotejar-se-ão as fábulas de Esopo e de Fedro com as homônimas da contemporaneidade, como as fábulas de La Fontaine, de Millôr Fernandes e de Monteiro Lobato, observando as mudanças estruturais, estilísticas e semânticas, que podem ser bem atestadas, nas recentes obras homônimas, mas dos diferentes autores supracitados.
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Os aspectos moralizantes, sociais e filosóficos também não serão descartados deste trabalho, de modo que se trata de um conjunto de fábulas homônimas, escritas em épocas diferentes, em locais diferentes, em sociedades diferentes, por diversos fabulistas e analisadas pelos autores deste livro sob diversos pontos de vista.
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Enfim, esperamos confiantes que os leitores deste trabalho colham bons frutos ao longo de uma leitura atenta e crítica das obras analisadas e traduzidas dos originais.
Osautores dão à luz a tradução de duas fábulas, bem conhecidas e traduzidas do original: uma do grego antigo; outra do latim.
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Baseando-se na leitura de alguns autores renomados, acerca do assunto sobre o qual estamos tratando, apresentam-se as origens das fábulas em ambiente grego e latino, no qual os autores, Esopo e Fedro, viveram: ambos poetas fabulistas do cânon greco-romano.
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Neste humilde labor acadêmico, que ora se configura como libellus, também destacaremos as características das fábulas, os estilos de seus respectivos autores greco-romanos supracitados e os dos seus sucessores, autores da contemporaneidade. Destacar-se-á a análise linguística pormenorizada das obras focalizadas: Lupus et Agnus e de Vulpe et Vva.
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Após a tradução e a análise linguística e estilística de fábulas de Esopo e de Fedro, destacar-se-ão os pontos em comum e as suas diferenças semânticas, cotejar-se-ão as fábulas de Esopo e de Fedro com as homônimas da contemporaneidade, como as fábulas de La Fontaine, de Millôr Fernandes e de Monteiro Lobato, observando as mudanças estruturais, estilísticas e semânticas, que podem ser bem atestadas, nas recentes obras homônimas, mas dos diferentes autores supracitados.
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Os aspectos moralizantes, sociais e filosóficos também não serão descartados deste trabalho, de modo que se trata de um conjunto de fábulas homônimas, escritas em épocas diferentes, em locais diferentes, em sociedades diferentes, por diversos fabulistas e analisadas pelos autores deste livro sob diversos pontos de vista.
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Enfim, esperamos confiantes que os leitores deste trabalho colham bons frutos ao longo de uma leitura atenta e crítica das obras analisadas e traduzidas dos originais.
Analisemos, agora, a segunda fábula “A raposa e as uvas” dos mesmos autores supracitados. Como fizemos antes, veremos os pontos em comum, as diferenças estilísticas e os aspectos moralizantes destacados por esses autores.
Qui facere quae non possunt uerbis elevant, adscribere hoc debunt exemplum sibi.
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A Raposa e a Uvas
Coagida pela fome na alta videira, a raposa cobiçava um cacho de uvas saltando com todas as forças, como não pôde tocá-la, afastando-se disse: “ainda não está madura; não quero apanhá-la azeda”.
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Aqueles que elevam pelas palavras as coisas que não podem fazer, deverão acrescentar para si este exemplo.
Uma raposa faminta, como acabara de ver alguns cachos de uvas pendurados de uma parreira, queria apoderar-se delas, e não pôde. Retirando-se, então, disse a si mesma: “Estão verdes”.
Assim também alguns dos homens que não podem tornar-se capazes de atividades por causa da (sua) fraqueza acusam as circunstâncias.
De modo a evitar problemas em relação a direitos autorais, os autores e o editor optaram por não colocar os textos das fábulas do Millôr Fernandes. Mas você, leitor, pode, facilmente, clicar no link seguinte para conseguir ler: Millôr - A Raposa e as Uvas.
\n\n```\n\n## Pontos em Comum\n\n```{=html} \n\n
Todos os autores apresentam as mesmas estruturas, em suas fábulas: são encenadas por uma raposa, onde ela pensa, sente, age e fala como se fosse um ser humano. Fazendo uso desse recurso, a fábula satiriza ou explica determinados comportamentos e sentimentos humanos.
Em Esopo, como em La Fontaine, em Monteiro Lobato e em Millôr Fernandes a fome da raposa é apresentada como um adjetivo. A raposa se encontrava faminta (Esopo), quase morta de fome (La Fontaine), esfaimada (Monteiro Lobato) e esfomeada e gulosa (Millôr Fernandes). Em Fedro, porém, a fome da raposa é como que personificada pelo uso do agente da passiva. A raposa não tem fome, ela é coagida pela fome.
Esopo, Fedro e La Fontaine são mais sucintos e diretos, apresentando a mesma estrutura da fábula clássica e vetusta, com leves acréscimos em um ou outro: a raposa faminta, quase morta de fome ou coagida pela fome vê as uvas, as deseja, não as pode alcançar e inventando uma desculpa vai embora.
Já Monteiro Lobato e Millôr Fernandes acrescentam elementos a mais, em suas fábulas, visto que as raposas desses autores são mais persistentes, em seus objetivos.
La Fontaine situa sua raposa, ela é da Gasconha ou Normandia, não é de um lugar indefinido, apesar de ela ser indefinida (certa raposa).
Monteiro Lobato faz uso de diminutivos como quem de fato está dirigindo-se a crianças: a parreira é carregadinha, os cachos são lindos cachos maduros, e, ao cair da folha, a raposa ouve um barulhinho. Há, em Monteiro Lobato uma seleção vocabular um tanto quanto coloquial: os cachos maduros são coisa de fazer vir água à boca; o bicho é matreiro e as uvas são verdes que só pra cachorro.
Millôr Fernandes define sua raposa, não é uma ou certa raposa, mas é a raposa. Seu lugar é o deserto no qual há um precipício de perder de vista. Sua raposa, diferentemente, das fábulas dos outros autores consegue seu objetivo, mas se frustra ao constatar que realmente as uvas estavam verdes. Ela parece ser a mais humana das raposas: olha, vê, arma o salto, retesa o corpo, salta, descansa, encolhe mais o corpo, não consegue o objetivo, desiste, tem raiva, empurra a pedra, estica a pata, consegue o objetivo, coloca as uvas na boca e se frustra: “Realmente estavam muito verdes”.
Analisemos, agora, a segunda fábula “A raposa e as uvas” dos mesmos autores supracitados. Como fizemos antes, veremos os pontos em comum, as diferenças estilísticas e os aspectos moralizantes destacados por esses autores.
Qui facere quae non possunt uerbis elevant, adscribere hoc debunt exemplum sibi.
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A Raposa e a Uvas
Coagida pela fome na alta videira, a raposa cobiçava um cacho de uvas saltando com todas as forças, como não pôde tocá-la, afastando-se disse: “ainda não está madura; não quero apanhá-la azeda”.
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Aqueles que elevam pelas palavras as coisas que não podem fazer, deverão acrescentar para si este exemplo.
Uma raposa faminta, como acabara de ver alguns cachos de uvas pendurados de uma parreira, queria apoderar-se delas, e não pôde. Retirando-se, então, disse a si mesma: “Estão verdes”.
Assim também alguns dos homens que não podem tornar-se capazes de atividades por causa da (sua) fraqueza acusam as circunstâncias.
De modo a evitar problemas em relação a direitos autorais, os autores e o editor optaram por não colocar os textos das fábulas do Millôr Fernandes. Mas você, leitor, pode, facilmente, clicar no link seguinte para conseguir ler: Millôr - A Raposa e as Uvas.
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Todos os autores apresentam as mesmas estruturas, em suas fábulas: são encenadas por uma raposa, onde ela pensa, sente, age e fala como se fosse um ser humano. Fazendo uso desse recurso, a fábula satiriza ou explica determinados comportamentos e sentimentos humanos.
Em Esopo, como em La Fontaine, em Monteiro Lobato e em Millôr Fernandes a fome da raposa é apresentada como um adjetivo. A raposa se encontrava faminta (Esopo), quase morta de fome (La Fontaine), esfaimada (Monteiro Lobato) e esfomeada e gulosa (Millôr Fernandes). Em Fedro, porém, a fome da raposa é como que personificada pelo uso do agente da passiva. A raposa não tem fome, ela é coagida pela fome.
Esopo, Fedro e La Fontaine são mais sucintos e diretos, apresentando a mesma estrutura da fábula clássica e vetusta, com leves acréscimos em um ou outro: a raposa faminta, quase morta de fome ou coagida pela fome vê as uvas, as deseja, não as pode alcançar e inventando uma desculpa vai embora.
Já Monteiro Lobato e Millôr Fernandes acrescentam elementos a mais, em suas fábulas, visto que as raposas desses autores são mais persistentes, em seus objetivos.
La Fontaine situa sua raposa, ela é da Gasconha ou Normandia, não é de um lugar indefinido, apesar de ela ser indefinida (certa raposa).
Monteiro Lobato faz uso de diminutivos como quem de fato está dirigindo-se a crianças: a parreira é carregadinha, os cachos são lindos cachos maduros, e, ao cair da folha, a raposa ouve um barulhinho. Há, em Monteiro Lobato uma seleção vocabular um tanto quanto coloquial: os cachos maduros são coisa de fazer vir água à boca; o bicho é matreiro e as uvas são verdes que só pra cachorro.
Millôr Fernandes define sua raposa, não é uma ou certa raposa, mas é a raposa. Seu lugar é o deserto no qual há um precipício de perder de vista. Sua raposa, diferentemente, das fábulas dos outros autores consegue seu objetivo, mas se frustra ao constatar que realmente as uvas estavam verdes. Ela parece ser a mais humana das raposas: olha, vê, arma o salto, retesa o corpo, salta, descansa, encolhe mais o corpo, não consegue o objetivo, desiste, tem raiva, empurra a pedra, estica a pata, consegue o objetivo, coloca as uvas na boca e se frustra: “Realmente estavam muito verdes”.
GONÇALVES, Maximiano Augusto. Tradução das fábulas de Fedro. Rio de Janeiro: Livraria H. Antunes LTDA, 1952.
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MOITINHA, Márcio. Os epigramas de Henrique Caiado: Origens, estudo analítico e tradução, Prismas:Curitiba, 2013.
MARMORALE, Enzo V. História da literatura latina II. Estúdios Cor: Lisboa, 1974.
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